sexta-feira, 26 de junho de 2009

Surdos, mas não invisíveis

Dona Mirian Rangel, 71 anos, afirma: “A dificuldade de mudar a situação dos surdos começa pelos pais. Muitos não aceitam ou não acreditam que seu surdinho possa ter uma vida absolutamente normal”. Mãe de uma deficiente auditiva, há 40 anos fundou a Associação de Pais e Amigos dos Deficientes da Audição de Niterói (Apada), sediada no bairro São Domingos. “Luciane ficou surda após uma meningite, adquirida aos dois anos. Minha filha foi a grande motivação para esse trabalho. Fui de porta em porta para juntar pessoas em torno da causa. Foi muito complicado, já que muitas não se interessavam, achavam que isso não tinha nada a ver com elas”, lembra Mirian.

Na época, não existia nenhuma instituição voltada para surdos na cidade. Então, Dona Mirian procurou o hoje chamado Instituto Nacional de Educação para Surdos (Ines) e começou a estudar as especificidades da identidade surda “O surdo precisa de acompanhamento com psicólogos, fonoaudiólogos e assistentes sociais, uma educação especial. Mas ele também se comunica e devemos respeitar esse tipo diferente de ser”, ressaltou.

Para a pessoa surda, aprender a Língua Brasileira de Sinais, a Libras, é a melhor forma de viver integrado à sociedade. Quando associada ao português, a linguagem de sinais abre oportunidade aos surdos, facilitando o acesso aos direitos e o exercício da cidadania. Dona Mirian contou que a filha, Luciane Rangel, superou dificuldades e preconceitos para conquistar e exercer sua profissão. Como professora universitária de pedagogia, leciona para ouvintes em instituições privadas e públicas (Uerj e UFF).

Mas, infelizmente, a história de vida da filha de Dona Mirian ainda pode ser considerada exceção. O acesso e permanência dos surdos à educação são restritos. Mesmo que os dados sejam comemorados como resultados de reivindicações pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), atualmente existem apenas 1500 estudantes surdos em universidades, 20 mestrandos e doutorandos e cinco professores surdos efetivos nas universidades públicas. Os artigos 205, 206, 208 e 213 da Constituição Federal de 1988 destacam como deve ser a educação especial para portadores de deficiência no país.

Além de atender cerca 200 pessoas por mês via SUS, a Apada possui creche com vaga para 60 crianças de até sete anos de idade, entre surdas e ouvintes, essas geralmente filhas ou parentes de surdos. Para garantir a sustentabilidade da creche, a associação estabeleceu parceria com a Secretaria de Projetos Especiais de Niterói, ligada à Secretaria Municipal de Educação. Para a professora Gisele Chaffin, a política de colocar crianças surdas e ouvintes na mesma sala de aula evita segregações. Ela explicou que, muitas vezes, a criança portadora de deficiência auditiva precisa de um adulto surdo para apoio, melhorando a integração e aprendizado do estudante. “Isso dá visibilidade a outro modelo de vida, a outro modelo lingüístico e quebra preconceitos”, ressalta Chaffin, que integra a equipe da secretaria especial.

Niterói possui 69 escolas municipais. Em duas delas, a secretaria possui salas com recursos e profissionais: Escola Municipal Paulo Freire, no bairro Fonseca, e Escola Municipal Altivo César, no Barreto. Segundo Chaffin, uma equipe especializada, formada por 20 profissionais de diferentes áreas de conhecimento, faz visitas às demais unidades de ensino, e também acompanha pontualmente outros 17 municípios do entorno.

Mesmo que os recursos públicos no Brasil ainda não sejam ideais, diz a professora, ela enxerga mudanças expressivas na cidade de Niterói: “A secretaria existe há 10 anos. Estamos conseguindo desenvolver um bonito trabalho. Sou de Niterói, sempre estudei em escolas públicas. Antes, os surdos ou portadores de outras deficiências nem chegavam à escola. Não me lembro de ter tido um coleguinha surdo convivendo comigo”, opina Gisele Chaffin.

Gilka Resende

sábado, 13 de junho de 2009

Sem esquecer a crítica

O que o incentivo às ações voluntárias tem a ver com a promoção de grandes empresas, com a precarização das relações de trabalho e com a configuração de um novo tipo de sociedade, em que se busca delegar aos cidadãos o cumprimento de tarefas que são responsabilidades do Estado? “Tudo” – é o que acreditam os professores André Martins, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e Virgínia Fontes, do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF).

De acordo com André, a valorização do voluntariado nasceu nos Estados Unidos dos anos 1960, como tentativa de retomar uma coesão social que parecia perdida durante a guerra do Vietnã. Na época, o então presidente John Kennedy instituiu a máxima: “Não pergunte o que o seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer pelo seu país”. Ao mesmo tempo, empresas que vinham sendo boicotadas por darem suporte à guerra passaram a investir em “responsabilidade social”, buscando uma reconciliação com a sociedade.

No Brasil, segundo o professor, esse movimento começou apenas na década de 1990, a partir da criação da Comunidade Solidária. “Trata-se de uma instância de poder do governo Fernando Henrique Cardoso para incentivar o crescimento de novas organizações da sociedade civil e estimular a formação de um exército de voluntários”, afirma.

Para André, um dos grandes problemas é o elemento fundador desse incentivo: “Ele apaga qualquer perspectiva de organização a partir da consciência de classe. Difunde-se a idéia de que todos são iguais e que não há antagonismos, apenas diferenças que podem ser resolvidas pela colaboração de todos em prol do bem-comum. Isso confirma a redefinição do papel do Estado nas questões sociais”, explica.

Virgínia Fontes concorda: “As lutas individuais são direcionadas a permanecer apenas nos seus campos, sem encontrar outras lutas. O próprio Banco Mundial disse às organizações brasileiras: ‘Contanto que não se discuta filosofia, em todos os problemas concretos nós podemos ajudar’. O que isso significa? ‘Contanto que não se discuta reforma agrária, podemos dar uma bolsa-alimentação. Contanto que não se discuta a questão salarial, podemos mandar um quilo de arroz’”, analisa a professora.

O conceito de responsabilidade social se tornou tão positivo que hoje é comum que grandes empresas mantenham programas de voluntariado, muitas vezes usando o trabalho de seus próprios empregados. E uma questão a ser apontada, de acordo com Virgínia, é justamente a mudança nas relações de trabalho. “Massas crescentes de pessoas estão sendo convocadas a trabalhar sem nenhum direito. Sem férias, sem salário, sem contrato, sem nada”, afirma.

André completa: além de limitar os direitos dos trabalhadores, as empresas ainda conseguem se promover a custos baixíssimos. “Ações de voluntariado dentro de grandes empresas se tornam uma poderosa ferramenta de marketing. Porque quando precisa fazer uma campanha de marketing, a empresa paga profissionais para isso. Mas, quando se utiliza desses mecanismos, o marketing é feito com custo zero”, observa.

A história é longa e a questão é complicada. Quer saber mais? Leia as entrevistas completas de André Martins e Virgínia Fontes.


Raquel Torres

terça-feira, 9 de junho de 2009

Para um cuidado mais amplo

Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), maio de 2005. A intenção do Grupo de Humanização do hospital era simples: organizar um setor abandonado para realizar um evento comemorativo do dia das mães. O que a coordenadora do Grupo, Anialcy Barbosa, não imaginava era que a atividade pudesse vir a ter tantos desdobramentos. “Quando começamos a enfeitar o espaço para a festa, vários pacientes começaram a aparecer, curiosos, procurando nos ajudar. Eles pintaram as paredes conosco, fizeram painéis e, no dia do evento, deixaram uma série de mensagens na parede indicando o que desejavam que melhorasse no hospital. As maiores demandas? Atenção e um cuidado humanizado”, conta Anialcy.

Nesse dia, surgiu a idéia de montar um projeto de voluntariado no hospital – o HUAP Voluntário. “Nossa proposta era minimizar o sofrimento dos pacientes, oferecendo um cuidado integral, que considerasse não apenas a dimensão física, mas também a psicológica. Hoje, é difícil ter isso apenas com o nosso quadro de funcionários, que é muito reduzido. O HUAP tem 350 leitos e, se tivermos três psicólogos, é muito”, critica a coordenadora.

Para dar conta da atenção aos pacientes, uma série de subprojetos começou a ser desenvolvida e hoje o hospital conta com cerca de 200 voluntários – a maioria estudantes universitários. Entre os 16 subprojetos em curso atualmente estão o ‘Criarte’, com a realização de atividades artesanais nas enfermarias; o ‘Recreando’, que consiste em levar crianças soropositivas a museus e zoológicos; e o ‘Alegria Pura’, com ações de lazer na área de emergência pediátrica. Para conhecer todos os projetos desenvolvidos, clique aqui.

Os recursos financeiros para a manutenção das atividades são provenientes do próprio trabalho voluntário. “Na primeira semana de cada mês, montamos um bazar no ambulatório do hospital e vendemos o material produzido. Assim, conseguimos os recursos necessários para realizar todas as atividades”, explica Anialcy.

Como participar?
Duas vezes por ano – em março e em agosto – é oferecido um treinamento para novos voluntários. Para se inscrever, é preciso comparecer ao terceiro andar do prédio anexo do HUAP (Rua Marquês do Paraná nº 30, Centro, Niterói/RJ), com duas foto 3x4, uma xerox da carteira de identidade e um comprovante de residência. O próximo período de inscrições começa já na primeira semana de julho, de segunda a sexta-feira, de 13h às 18h.

Raquel Torres

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Campanha de Natal

O Movimento de Vida Cristã promove há 18 anos em diversos países a campanha de solidariedade: Natal é Jesus. Aqui no Brasil há mais de dez anos, é entregues cestas de alimentos e brinquedos para milhares de famílias de comunidades carentes do Rio, Petrópolis e São Paulo.

Mariana Ferreira, uma das coordenadoras de Niterói, explica que o trabalho está dividido em duas etapas: arrecadação, arrumação e distribuição das cestas solidárias e brinquedos . Ela ressalta que a campanha busca recordar o verdadeiro sentido do Natal e que para isso é feita uma preparação espiritual através de Liturgias de Advento e de Natal.

Os voluntários ajudam de diversas formas: preparando e/ou entregando das cestas e brinquedos para as famílias e crianças, doando alimentos para a Cesta de Natal, brinquedos (novos ou usados em bom estado) para as crianças, dinheiro para comprar alimentos ou brinquedos e participando das coletas nas ruas.

Pérola, estudante de 15 anos, participou em 2007 doando alguns alimentos e em 2008 fazendo doações e também organizando e ajudando na entrega dos alimentos e brinquedos. Ela conta que foi grande a diferença entre os dois anos em que ela esteve na campanha. “Quando você só doa os alimentos, você sabe que está fazendo algo de bom, mas é muito diferente subir a favela, brincar com as crianças, ajudar as senhoras a carregar os alimentos. Quando se participa ativamente, tem-se a sensação clara de que, um pouco por sua causa, aquelas pessoas vão ter um natal mais digno. É muito especial”.

Isabella, 21 anos, participa da campanha Natal é Jesus desde 2003. “São seis anos de oportunidade de praticar o amor às pessoas de maneira mais concreta”, diz ela. Isabella diz que o que faz com que ela continue por tantos anos na Campanha não é a empolgação de fazer uma atividade nova e diferente, como era no começo, é a necessidade dos outros, a urgência em ajudá-los.

No ano passado a campanha Natal é Jesus ajudou a centenas de famílias de alunos da creche Santa Zita e Don Orione e também as que vivem nas comunidades do Preventório e da Grota dentre outras instituições do Rio de Janeiro, Petrópolis e São Paulo.

Para saber mais, vale a pena acessar a página da Campanha solidária:
Bruna Freitas

terça-feira, 2 de junho de 2009

Assistencialismo x Voluntariado

A diferença é o compromisso com o outro

Como já foi lembrado aqui, "voluntariado é diferente de assistencialismo!”. Mas qual é mesmo a diferença? Há alguns que certamente responderiam “Não adianta dar o peixe, tem que ensinar a pescar”. Porém, a professora e coordenadora da Pastoral do Salesianos, Vera Loureiro (foto), citando Betinho, diz que não acredita no assistencialismo pelo assistencialismo mas é necessário e importante em uma urgência, como há tantas com pessoas necessitadas.


Ela também entende que o assistencialismo é a “educação infantil da ação social (voluntariado)”. "Você aproxima as pessoas que são egocêntricas, egoístas, que não fazem e não se sensibilizam com nada e vai pela via do assistencialismo, o que faz com que ela se abra ao mundo novo do voluntariado. Ela, antes, que só comprava o arroz, passa a entregar o arroz e a olhar para o outro”.

Vera Loureiro alega que a maior dificuldade no trabalho voluntário é a falta de compromisso, e exemplifica a partir do caso dos seus alunos. Conta que eles muitas vezes expressam o desejo de visitar instituições, entretanto não querem um compromisso maior. “Eu não sou voluntário por voluntarismo, me deu vontade eu vou lá e faço, acredito que a minha inteligência, meu afeto vão ajudar aquela instituição e se eu tenho um compromisso com ela eu tenho que cumprir”, argumenta a coordenadora.

Luciana Allao, professora do colégio São Vicente de Paulo, também dá muita importância à prática de voluntariado na educação de seus alunos. Ela diz que esse tipo de atividade desenvolve a responsabilidade dos jovens, já que eles se comprometem com a criança e/ou idoso ajudado. "Também os ajuda a conhecer e respeitar outras realidades e a desmistificar o preconceito", afirma a professora.

Nos diversos movimentos da escola como a JUVI (Juventude Vicentina) e o JMV (Juventude Marial Vicentina), os jovens escolhem uma instituição para visitar todo mês e ao final do ano fazem uma celebração e doações. Luciana defende que o jovem tem um grande potencial para o trabalho voluntário, devido à sua vontade de mudar o mundo. "Quando ele se identifica, ele se compromete."

As duas professoras,enfim, alegam que o trabalho voluntário tem tudo a ver com os jovens. Eles, no meio de tanto ativismo, são atraídos pela ação. Porém, o que diferencia o trabalho voluntário de todas as outras atividades, da ação pela ação, é pensar no assistido como uma pessoa concreta, que precisa de um envolvimento e uma relação humana e real. É a partir dessa relação entre o assistente e o auxiliado que o trabalho se torna realmente o de voluntariado, que é quando o voluntário se doa ao outro sem a possibilidade dos assistidos "retribuírem" a atenção recebida, como acontece muitas vezes na política ou em empresas que optam pelo assistencialismo visando a redução do imposto de renda.

Bruna Freitas
 
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