Um homem sujo e atônito está sentado em uma calçada. Alguém passa e lhe joga uma moeda. Cambaleante, o homem atravessa a rua e entra em um bar onde o balconista serve uma dose de bebida a um cliente. Ele passa e continua andando até um canto do boteco. Insere a moeda em um telefone público e uma voz feminina atende a ligação: “- CVV, boa noite”.
O Centro de Valorização a Vida presta apoio emocional gratuito aos usuários através de conversas por telefone ou atendimento presencial em suas unidades. Não são psicólogos. São pessoas comuns dispostas a dar atenção àqueles que por acaso precisarem. E suas campanhas sempre me intrigaram. Tentava imaginar quem ligaria para esse serviço, e claro, quem eram as pessoas que atendiam do outro lado da linha. Pessoas que esperavam o contato de um estranho, sentadas sozinhas ao lado de um telefone para fazer a simples pergunta: como vai você? Por inúmeras vezes pensei em ligar para o número 141 e saciar minha curiosidade. Mas acabava desistindo. Seria vergonhoso tomar o tempo de alguém apenas para cumprir uma vontade tão boba.
Com criação do blog encontrei a justificativa que precisava. Agora seria curiosidade jornalística. Julguei ser um bom motivo. Desconfiei que Niterói teria um posto de atendimento. Suspeita confirmada. Procurei por um responsável que pudesse esclarecer as perguntas já quase empoeiradas na minha mente.
Conversei com Neide por quase uma hora. Voz doce e riso fácil. Voz emocionada e engajada. Tive um relato muito franco e realista sobre a rotina do serviço prestado a população pelo CVV. Depois de ler um anúncio para seleção de voluntários em um exemplar velho de jornal ela decidiu participar. Já são três anos de voluntariado. Oito horas semanais dedicadas aos plantões de atendimento no Posto Samaritano de Niterói.
O CVV conta com quase 50 postos de atendimento em todo o país. São aproximadamente 3000 voluntários e, infelizmente, ainda é pouco. O ramal 141 funciona 24 horas por dia, contudo não são todos os postos que podem colaborar com a jornada. Os grupos que não atendem em período integral são chamados de Postos Samaritanos. Oferecem o mesmo tipo de serviço, porém com o horário reduzido. Em Niterói, 13 pessoas trabalham a partir de 11 horas da manhã e seguem até as 23 horas atendendo aos telefonemas de anônimos que procuram algum tipo de consolo e atenção. Até as 18 horas também funciona o atendimento presencial. Não é necessário marcar a visita antecipadamente. É só chegar e esperar que o plantonista esteja livre.
O voluntário está ali simplesmente para ouvir. Sem julgamento ou discussões morais. Todo conteúdo das conversas é absolutamente sigiloso. O CVV não mantém qualquer espécie de registro das chamadas ou encontros. Os atendentes são conhecidos apenas por seu primeiro nome - medida que preserva o voluntário. Ninguém sabe com que situações pode se deparar. Porém, conversando com a coordenadora do Posto Samaritano de Niterói, entendi um novo sentido para tal postura. “Trabalhar aqui melhora nossa vida. As vezes achamos que nossos problemas são pedras enormes e pesadas. Depois de ouvirmos tantas outras histórias descobrimos como são pequenos se comparados aos dos outros”.
O foco de toda ação do CVV é o outro. Aquele que é atendido. Abrir mão de sua identidade é também um ato de humildade e abnegação. Muitas pessoas ligam para falar sobre coisas triviais. Comentar a novela, as últimas notícias ou comemorar o emprego novo. Algumas para desabafar, chorar e outras para não falar nada. E todas compartilham o mesmo problema: solidão. Esse é o início de um turbilhão emocional que por vezes leva a atitudes desesperadas, como o suicídio.
Para participar desse projeto basta ser maior de 18 anos, alfabetizado e dispor de quatro horas semanais para o trabalho no posto. Existe um período determinado para inscrições, pois um curso é ministrado aos interessados antes de enfrentar os telefones. Após várias aulas e dois plantões supervisionados é que o voluntário começa a integrar de fato a equipe de apoio. Não existe manual de conduta, mas é importante para que o futuro colaborador conheça os princípios e esclareça qualquer dúvida a respeito da rotina de atendimento. Na última seletiva, o posto de Niterói conseguiu mais quatro festejados membros para o grupo. “Por falta de recursos, a divulgação do processo de seleção acaba sendo pelo boca a boca”, diz Neide. Em agosto, haverá um novo treinamento e quem quiser se inscrever deve ligar para 2613-4141.
Então, decidi redigir esse texto na primeira pessoa. Queria contar para você que está lendo como foi que conheci um projeto tão útil e singelo. Porém, as formas engessadas de uma reportagem tradicional não combinariam com o tema. Prefiro que seja semelhante a uma conversa. Muito obrigada pela atenção!
Posto Samaritano de Niterói
Rua Coronel Gomes Machado, 140 - Centro
Telefone: (21) 2613-4141
E-mail: postosamaritanoniteroi@gmail.com
Cláudia Resende